Bibliologia/Cristologia
A Bíblia descreve a pessoa de Cristo como um ser de natureza humana, mas também de natureza divina. Esta cristologia é expressa na definição de Calcedônia.
Humanidade
Jesus viveu como homem, e sua vida foi descrita por biografias de pessoas que conviveram com ele e registraram suas experiências e doutrinas. Existem muitas doutrinas sobre a pessoa de Jesus, muitas destas começaram nos primeiros séculos que serão tratadas em um capítulo aparte, pois o enfoque principal deste livro é apenas descrever o que está registrado na Bíblia.
Vida natural humana
Fatores que indicam a humanidade de Jesus:
- Jesus está na lista das genealogias humanas (Mateus 1.1-16, Lucas 2.23-38);
- Seu nascimento foi normal e humano (Mateus 1.25, Lucas 2.7);
- Seu crescimento e desenvolvimento foram normais (Lucas 2.40-52);
- Ele esteve sujeito a limitações físicas como o cansaço (João 4.6), fome (Mateus 21.18) e sede (Mateus 11.19);
- Experimentou as emoções humanas: alegria (Lucas 10.21), tristeza Mateus 26.37), amor (João 11.5), compaixão (Mateus 9.36), surpresa (Lucas 7.9), ira (Marcos 3.5);
- Foi morto nas mãos dos homens (Lucas 22.44, João 19.33).
Vida religiosa
Sua vida religiosa demonstra sua condição humana:
- Jesus participou da adoração pública (Lucas 4.16);
- Estudou, meditou e explicou as escrituras (Mateus 4.4, Mateus 19.4, Lucas 2.46, Lucas 24.27);
- Orava publicamente (Lucas 3.21), e individualmente, às vezes durante toda a noite (Lucas 6.12);
- Ele foi submisso e dependente ao Pai que o enviara (João 6.3,8, João 12.49).
Conhecimento das escrituras
Jesus demonstrou conhecimento superior aos homens (João 1.47, João 4.29, Lucas 6.8, Lucas 9.47), e compreendia as escrituras de modo singular (Mateus 22.29, Mateus 26.54,56).
Tentação
Cristo foi tentado como nós, mas nunca pecou (Hebreus 4.15). Neste ponto podem surgir duas objeções:
1. As tentações de Cristo podem não ter sido reais, porque ele não tinha natureza pecadora como nós. A resposta a esta objeção é que os puros também sofrem tentações, assim como Adão e os anjos.
2. Cristo não podia pecar devido a sua natureza sem pecado. Respondemos dizendo que é preciso considerar a intensidade das tentações. Em nosso caso, Deus filtra as tentações antes que elas cheguem até nós (1 Coríntios 10.13). Qual teria sido a medida da intensidade da tentação que Deus permitiu para o seu filho? (Mateus 4.4, Lucas 22.44) O fato dele ser tentado como nós revela que Cristo tinha nossa natureza.
Vida sem pecado
É preciso ressaltar que Jesus Cristo, embora humano, estava livre da depravação moral provocada pela queda (Hebreus 4.15, Hebreus 7.26, 2 Coríntios 5.21) e de qualquer transgressão pessoal. Ele foi um ser humano sui generis, quer dizer, único no gênero.
Portanto, segundo a Bíblia, não há dúvida de que Cristo era de natureza humana, como nós, mas com a diferença de que ele não tinha a natureza corrupta que nós temos, nem praticou qualquer pecado em toda sua vida.
Divindade
A divindade de Cristo revelada na Bíblia lhe confere atributos divinos, de acordo com os seguintes elementos:
Aspectos miraculosos
Cristo foi em sua vida e sua obra envolvido por tantos fatos miraculosos que não se pode negar que ele estava acima da categoria humana, pois nenhum outro homem foi como ele nesses aspectos. Sua geração foi sobrenatural conforme Lucas 1.34.35, demonstrou poder sobre a natureza, sobre o corpo e a vida de pessoas, sobre seres espirituais, tudo isto revela autoridade divina.
Consciência de sua divindade
O próprio Cristo revela sua consciência de divindade ao se igualar ao Pai na vida (João 5.26), na honra (João 5.23), na glória (João 17.5), na eternidade (João 8.58), no nome (João 8.24), na fórmula batismal (Mateus 28.19). Ele declara sua união com o Pai (João 5.18, (João 10.33,38).
Prerrogativas divinas
Jesus exerceu atribuições que só cabem a divindade, como a autoridade de perdoar pecados (Marcos 2.10), para alterar a lei de Deus (Mateus 5.21), autoridade sobre o sábado (Marcos 2.28), sobre a vida de pessoas (Mateus 16.24-26), salvar pessoas de seus pecados e suas conseqüências (Mateus 1.21, João 8.34-36). Isto demonstra sua autoridade divina.
Testemunho dos apóstolos
Aqueles que conviveram com Jesus ficaram encarregados de testemunhar sobre sua vida e seu ensino. Estes revelam sua divindade em João 1.1, Romanos 9.5, Tito 2.13, Hebreus 1.8, 1 João 5.20. Portanto, conforme seus relatos registrados na Bíblia, Jesus tinha não só a natureza humana, mas também a divina.
União das duas naturezas
Como pode uma só pessoa ser humana e divina? Como explicar este mistério?
Não basta considerar que Cristo é humano e divino, é preciso pensar também como que as duas naturezas se relacionavam em Cristo.
Elementos fundamentais da união
Vamos considerar alguns elementos fundamentais que ajudam a entender um pouco desse mistério:
1. Imagem de Deus no homem. A imagem e semelhança do homem com Deus propiciam a base da união do divino com o humano na pessoa de Cristo. Há algo em comum entre Deus e o homem que tornou possível a união das duas naturezas em Cristo.
2. A encarnação de Cristo. A encarnação foi o mistério da união. Como para Deus não há impossível, ele decidiu se aproximar do homem vivendo entre os homens (João 1), e resgatar a humanidade assumindo ele mesmo a culpa pela humanidade falhar nas alianças Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, assumindo assim uma nova aliança.
3. O perfeito mediador. Como representante de Deus para os homens e dos homens para Deus, Cristo se tornou o perfeito mediador pois vive as duas naturezas em uma só pessoa (1 Timóteo 2.5, 1 João 2.2, Efésios 2.16-18). Este é o maior efeito da união, pois o homem sempre criou mediadores, e Deus tornou-se seu mediador com os homens. (Hebreus 7.24-28).
Ofícios
No Antigo Testamento havia três ofícios ou funções fundamentais na vida do povo de Deus: o de profeta, o de sacerdote e o de rei. Esses ofícios eram exercidos por homens escolhidos, ungidos e investidos na função. As pessoas que ocupavam estas funções cumpriam um papel muito importante para a vida do indivíduo e do povo na sua relação com Deus. Deu um modo geral, por estes ofícios, o povo ouvia (através do profeta), fazia-se representar diante de Deus (pelo sacerdote) e tinha o governo político (do rei). Em Cristo, os três ofícios foram reunidos e ele mesmo é o profeta, o sacerdote e o rei. Assim ele é um mediador completo e perfeito.
Profeta
O trabalho do profeta no Antigo Testamento era falar em nome de Deus. Ele interpretava os atos e os planos de Deus para os homens e orientava o povo nos caminhos traçados por Deus. Desta forma ele era um representante de Deus para o povo.
Cristo foi verdadeiro profeta, anunciado desde Moisés (Dt 18.15). Os que creram em Jesus Cristo reconheceram ser ele o profeta que devia vir ao mundo (Jo 6.14, At 3.22). Ele revelou Deus e a sua vontade, não apenas com palavras, mas também em pessoa e obras (Hb 1.3). Sua revelação do Pai é final na história da humanidade (Hb 1.1 ss).
Cristo realizou seu trabalho profético em diferentes épocas. De modo direto e pessoal, ele cumpriu sua função profética no período da vida terrena. Mas na preexistência, de modo indireto, ele exerceu a função de profeta, falando através de mensageiros, humanos ou angelicais (Jo 1.9; 1Pe 1.11). Também depois da ascensão, ele falou pelo Espírito Santo os apóstolos (Jo 16.12,13,25; Jo 17.26). E parece na glória ele continuará revelando as coisas do Pai aos santos (1Co 13.12).
Sacerdote
O livro de Hebreus descreve bem o exercício do ofício sacerdotal de Cristo. No Antigo Testamento o sacerdote era uma pessoa divinamente escolhida e consagrada para representar os homens diante de Deus e oferecer dons e sacrifícios que assegurassem o favor divino, e ainda para interceder pelo povo (Hb 5.4; 8.3). Mas o serviço era feito com imperfeição, quer pela fraqueza do sacerdote, quer pelo tipo de sacrifício que era oferecido.
Cristo realizou um sacerdócio perfeito. As duas naturezas, humana e divina, unidas nele, o seu caráter puro e o sacrifício de si mesmo tornam o seu sacerdócio ideal e perfeito diante de Deus. O seu trabalho sacrificial foi consumado, historicamente, na cruz (Hb 10.12,14). Seu sacrifício foi único e de valor eterno, portanto, suficiente para a redenção da humanidade, sem que haja a necessidade de qualquer outro sacrifício por parte dos homens (Hb 10.10). Seu trabalho de intercessão foi realizado quando ele esteve na terra (Jo 17); porém, foi depois de oferecer o seu sacrifício que ele passou a exercer, especificamente, esse ministério de intercessão (Hb 7.25; 9.24). A base da sua intercessão é o seu sacrifício (1Jo 2.1,2).
Rei
Os profetas do Antigo Testamento falaram de um rei que viria da casa de Davi, para governar Israel e as nações, com justiça, paz e prosperidade (Is 11.1-9). O anjo disse a Maria que Jesus seria esse rei (Lc 1.32,33). Cristo mesmo afirmou que era esse rei prometido (Jo 18.36,37). Depois da sua ressurreição, ele declarou seu poder sobre todas as coisas (Mt 28.18). Na sua ascensão, ele foi coroado e entronizado como rei (Ef 1.20-22; Ap 3.21). Jesus Cristo é rei, e já está reinando, porém, não ainda de modo visível aos olhos humanos (Hb 2.8), nem de modo pleno (1Co 15.25-28; Hb 10.13). Mas um dia Cristo estará reinando à vista de todo mundo (Ap 11.15).
O reino de Cristo no presente se mostra na vida das pessoas que a ele se entregam, e nas igrejas, que são as comunidades de seus discípulos. Trata-se, no presente, de um reino espiritual, no coração e na vida dos que nele crêem (Jo 18.36). Porém, um dia o reino de Cristo se mostrará em toda sua plenitude na vida e no mundo, com "novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça" (2Pe 3.13).
O sacrifício
Dentro do ofício sacerdotal de Cristo está sua obra sacrificial. Qual o significado da morte de Cristo? O que de fato aconteceu quando o filho de Deus morreu? Interpretações neste sentido têm sido dadas no decorrer da história. Algumas são errôneas, outras apresentam aspectos bíblicos da expiação. É preciso considerar todas elas e reunir vários aspectos bíblicos que elas apresentam para se ter uma compreensão melhor do significado da obra de Cristo na cruz.
O resgate
A idéia do resgate implica num preço pago. A Bíblia ensina que o sangue de Cristo serviu de resgate, isto é, foi um preço pago pela nossa redenção (Mc 10.45; 1Co 6.20; 1Tm 2.6; 2Pe 2.1). No princípio do cristianismo discutiu-se sobre a quem teria sido pago o preço. Alguns pais da igreja entenderam que o preço teria sido oferecido ao diabo, para resgatar os homens cativos de Satanás, mas, ao final, Cristo teria surpreendido o inimigo, ressuscitando dentre os mortos, e derrotando o diabo. Mas esta idéia do preço pago ao diabo é errônea. Não parece razoável nem bíblico que o sacrifício tenha sido oferecido a Satanás. Este não adquiriu nenhum direito sobre a humanidade, e a Bíblia não fala de nenhuma transação que Deus tenha feito com o diabo. Certamente, o preço do resgate foi oferecido ao próprio Deus. Foi Deus que, pela sua justiça e santidade, sujeitou o pecador ao domínio e conseqüências do pecado, obras do diabo, de cujo cativeiro Cristo nos resgatou (Hb 2.14,15). Então, Cristo nos resgatou do cativeiro do pecado e do diabo, a que estávamos entregues pela justiça divina (Rm 1.24,26,28).
A ressurreição
A ressurreição de Cristo:
- testifica sua divindade (Rm 1.4),
- proclama sua vitória sobre o pecado (Hb 9.28),
- sobre os poderes das trevas (Ef 1.20,21),
- sobre a morte (2Tm 1.10),
- assegura a eficácia de sua obra redentora (Rm 4.25; 8,33,34; 1Pe 1.3; 1Co15.15-19),
- evidencia a realidade de seu reino futuro, mostra-se como as primícias da colheita futura, que é a ressurreição, o princípio da nova criação (1 Co 15.20-26; 2Co 5.17; 2Pe 3.13; Ap 21.22).
Na ressurreição de Cristo emerge uma nova ordem de existência neste mundo que há de consumar-se na glória do mundo vindouro. Pela ressurreição, Cristo Jesus se torna "esperança nossa" (1Tm 1.1).