Lógica/Lógicas Não-clássicas/Introdução
O que são lógicas não-clássicas
Para entender o que são lógicas não-clássicas, devemos entender primeiramente o que são lógicas clássicas. Este grupo reúne o Cálculo Proposicional Clássico e os Cálculos de Predicado de primeira e segunda ordem (obviamente, clássicos). Existe também uma controvérsia acerca da inclusão da teoria de conjuntos no grupo de lógicas clássicas.
Todas as lógicas clássicas tem em comum os princípios de bivalência, não-contradição, terceiro-excluído e identidade. Aquele que a esta altura pensar que, portanto, lógicas não-clássicas são aquelas que rejeitam estes princípios está incorrendo em um equivoco. Todas as lógicas que rejeitam estes princípios são não-clássicas, mas nem todas lógicas não-clássicas rejeitam estes princípios. Ou seja, existem sistemas de lógicas não-clássicas que seguem todos os princípios da lógica clássica.
Basicamente, lógicas não-clássicas são todos sistemas simbólicos de lógica além do CPC e CQC (e teoria de conjuntos , para quem a considera um sistema de lógica clássica).
Lógicas complementares e alternativas
Os sistemas de lógicas não-clássicas são categorizados em dois tipos: lógicas complementares e lógicas alternativas.
As lógicas complementares são aquelas que respeitam todos princípios das lógicas clássicas, mas abrangem coisas fora do escopo destas. Por exemplo, a lógica temporal , como o nome sugere, trata do tempo (passado, presente e futuro), sendo capaz de formalizar raciocínios como "Fulano trabalha todos os dias. Logo hoje ele trabalha" e "Beltrano venceu o jogo ontem. Logo ao menos uma vez Beltrano venceu o jogo".
Outro tipo de lógica complementar é a modal. Esta traz as modalidades aléticas (possível e necessário).
Já as lógicas alternativas são aqueles que rejeitam um ou mais princípios da lógica clássica. As mais óbvias são aquelas que rejeitam o princípio de bivalência, lidando com mais de dois valores de verdade.
Uma lógica alternativa notável é a intuicionista, a qual está atrelada ao construtivismo, corrente da filosofia da matemática. Dotada de uma semântica e uma sintaxe discrepante com a lógica clássica, a lógica intucionista rejeita o princípio de terceiro-excluído e de dupla negação.
Ultimamente está em voga o estudo de lógicas paraconsistentes. Nestas, o princípio de não contradição é rejeitado ou é mais fraco.
Devemos salientar aqui que a rejeição ou apenas enfraquecimento dos princípios da lógica clássica não é algo tão leviano quanto possa parecer. Geralmente o foco das lógicas alternativas é diferente do foco da lógica clássica.
Para deixar isto mais claro, veja os seguintes raciocínios válidos na lógica clássica:
Estes raciocínios podem parecer antiintuitivos, pois na conclusão aparece um termo ausente nas premissas. Chamamos estes termos de "arbitrários". Isto não apresenta qualquer problema para a lógica clássica. O foco desta é a manutenção da verdade. Para que um raciocínio seja válido na lógica clássica, basta que tenha uma forma na qual a conclusão nunca seja falsa enquanto as premissas são verdadeiras. Contudo, podemos indagar se este seria o único critério para efetuarmos um raciocínio perfeito. Podemos estabelecer outros critérios, como a relevância, a prova, a disponibilidade das premissas à recursão etc. Estes, se adotados, podem ser formalizados em lógicas e acarretar no enfraquecimento ou até mesmo a rejeição de alguns princípios da lógica clássica.
Paralelo entre os sistemas de geometria e de lógica
Provavelmente você sabe quem é Euclides, geômetra da Antigüidade e autor da maior obra de sua disciplina, Elementos. Nesta Euclides define os conceitos geométricos e estabelece os cinco postulados (axiomas) a partir dos quais constrói as figuras geométricas (triângulos, quadrado, pentágono...) e demonstra aqueles teoremas que nos são bem familiares: teorema de Pitágoras, que a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo é igual à soma de dois ângulos retos etc.
Existe um certo contraste entre o Quinto Postulado de Euclides e seus quatro anteriores. Enquanto estes soam elementares; afirmando que dois pontos (distintos) determinam uma reta, que é possível construir um círculo de qualquer centro e raio, e que todos ângulos retos são congruentes; o 5º Postulado afirma que dadas duas retas (distintas e co-planares) e uma terceira que as intercepta, se a soma dos ângulos internos determinados pelas três que estejam do mesmo lado da terceira for diferente de um ângulo reto, então as duas primeiras retas em questão não são paralelas.
A complexidade do 5º Postulado levou por muito tempo os geômetras a acreditarem que ele seria demonstrável por meio dos quatro anteriores. No século XVIII o matemático alemão Gauss provou que não era, pois o 5º postulado independe dos outros quatro. Ou seja, se o 5º postulado fosse omitido ou até mesmo negado, nenhuma contradição seria derivada disto.
No mesmo século o matemático John Playfair formulou um axioma equivalente ao 5º Postulado, o Axioma das Paralelas: dada uma reta e um ponto fora desta reta, só existe uma única reta que passe por e seja paralela a . Por serem equivalentes, um é verificado se e somente se o outro também for verificado.
Os trabalhos de Gauss e Playfair possibilitaram outros matemáticos a vislumbrarem as geometrias não-euclidianas, geometrias nas quais o 5º Postulado e, conseqüentemente, o Axioma das Paralelas não são verificados. No século XIX aparece a geometria de Bernhard Riemann, na qual dada uma reta e um ponto fora dela, não existem retas paralelas a que passem por ; e a geometria de Nikolai Lobachevski, na qual dado uma reta e um ponto fora dela, existem infinitas retas distintas que passam por e são paralelas a .
Por mais estranho que isto possa parecer, o fato é que o Axioma das Paralelas só é verificado quando se trabalha em superfícies planas. Em outras superfícies, nem o Axioma das Paralelas e nem suas conseqüências são verificadas. Por exemplo, na geometria esférica (feita sobre a superfície de uma esfera), dado um triângulo eqüilátero tal que um dos vértices é o pólo da esfera e os outros se encontram no equador, esse tem três ângulos internos retos. E ainda, nesta geometria, quanto menor é um triângulo, menor é a soma de seus ângulos internos. A diferença entre esta e um ângulo de 180º é chamada de "excesso esférico".
Conseqüentemente, em várias circunstâncias somos obrigados a trabalhar com geometrias não-euclidianas, como no tráfego aéreo a longas distâncias e no posicionamento global por satélites. Até a Teoria Geral da Relatividade leva em consideração as geometrias não-euclidianas, dado a curvatura do Espaço.
Por outro lado, a geometria euclidiana ainda se faz muito útil quando trabalhamos sobre superfícies planas, ou mesmo sobre a superfície da Terra, quando as distâncias são pequenas o suficiente para que o excesso esférico seja desprezível.
O mesmo vale para os sistemas de lógica. Os princípios da lógica clássica não são aplicáveis em diversos contextos. Por exemplo, para a meteorologia, seria um simplismo inconveniente dizer que a proposição "choverá amanhã" é ou verdadeira ou falsa. Oras, o meteorologista precisa lidar tanto com a probabilidade de chover quanto com a probabilidade de não chover. E ainda, a verdade de "choverá amanhã" seria verificada tanto se caísse o dia inteiro uma tempestade, quanto se chuviscasse por meia hora.
Por outro lado, em algumas circunstâncias as proposições são simplesmente verdadeiras ou falsas. Seria um absurdo, por exemplo, estipular um valor intermediário entre verdadeiro e falso para a proposição "". Mesmo porque, este valor poderia ser transmitido para as conseqüências desta proposição, como "".
O que foi dito nestes últimos parágrafos é apenas uma perspectiva pragmática da multiplicidade de sistemas em disciplinas matemáticas. Existem diversos outros motivos para desenvolver sistemas alternativos de geometria ou lógica.
O estudo de sistemas alternativos de uma disciplina refina nosso conhecimento dela. Na geometria, podemos ver o quanto certos teoremas dependem de certos axiomas, ou qual a relação entre certos axiomas e certas superfícies. Na lógica, contemplamos como certos princípios de um sistema são conseqüências metalógicas de outros princípios.
Uma fonte significativa de influência para o desenvolvimento de sistemas de lógica é a filosofia. A lógica intuicionista foi desenvolvida por matemáticos construtivista, os quais por certas motivações filosóficas rejeitavam o princípio de terceiro excluído e de dupla negação. As lógicas paraconsistentes também devem seu desenvolvimento, em parte, ao dialetismo, corrente filosófica segundo a qual algumas contradições são verdadeiras.