Lógica/Cálculo Proposicional Clássico/Funções de Verdade e Valorações
- Os operadores lógicos no CPC são funções de verdade. Por exemplo, a fórmula α tem algum significado dentro de um sistema, e segundo o princípio de bivalência ela deve ser ou verdadeira ou falsa. Ao negarmos esta fórmula, temos uma nova fórmula, ¬α, que tem um novo significado, que pode ser expresso assim: “‘α’ é falso”. Isto é uma nova proposição cujo valor de verdade depende do valor de α, como é expresso pela tabela:
α | ¬α |
V | F |
F | V |
Pode-se adicionar indefinidamente o operador de negação. “¬¬α” significa “‘¬α’ é falso”. “¬¬¬α” significa “‘¬¬α’ é falso”. E assim por diante:
α | ¬α | ¬¬α | ¬¬¬α |
V | F | V | F |
F | V | F | V |
No CPC, a negação é a única operação (ou função de verdade) que não é conectivo. As demais estabelecem uma relação entre duas fórmulas (ou seja, são binárias). Por exemplo, “α∧β” significa “tanto α quanto β são verdadeiras”:
α | β | α∧β |
V | V | V |
V | F | F |
F | V | F |
F | F | F |
- “α↔β” significa “α tem o mesmo valor de verdade que β”:
α | β | α↔β |
V | V | V |
V | F | F |
F | V | F |
F | F | V |
- E assim por diante.
- Quantos conectivos seriam possíveis no CPC? Para responder esta pergunta, basta lembrarmos que uma tabela de verdade de uma fórmula que tem dois termos tem quatro linhas que descrevem todas valorações possíveis entre os termos. Cada célula deve conter um de dois possíveis valores. Aplicando os princípios da análise combinatória, temos 4X4 funções de verdade entre duas fórmulas. Ou seja, 16:
A | B | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 |
V | V | V | F | V | V | V | F | F | F | V | V | V | V | F | F | F | F |
V | F | V | V | F | V | V | F | V | V | V | F | F | F | V | F | F | F |
F | V | V | V | V | F | V | V | F | V | F | V | F | F | F | V | F | F |
F | F | V | V | V | V | F | V | V | F | F | F | V | F | F | F | V | F |
- Já conhecemos algumas destas funções. Na coluna 3 temos a implicação, A→B. Na coluna 5 temos a disjunção, A∨B. Na coluna 8 temos a disjunção exclusiva (também conhecida como disjunção forte), A∨B. Na coluna 11 temos a bi-implicação, A↔B. Na coluna 12 temos a conjunção, A∧B. Na coluna 15 temos a adaga de Quine, A↓B.
- Poderíamos indagar: “Por que não existem conectivos para todas as outras funções?”. Até existem conectivos pouco usuais para algumas destas funções. Por exemplo, a função da coluna 4 pode ser representada assim: A←B.
- Mas isto não responde a pergunta além de nos levar a mais outra: “Por que alguns conectivos são menos usuais?”.
- A resposta a ambas é a seguinte: por economia. A negação e os conectivos usuais são suficientes para descrever todas funções de verdade do CPC. Para que complicar nossas fórmulas e demonstrações fazendo o uso do conectivo “←” se A←B é equivalente a B→A? A função de verdade da coluna 1 pode ser expressa por qualquer tautologia que envolva A e B, ex: A→(B→B). Da mesma forma, a função de verdade da coluna 16 pode ser expressa por qualquer contradição que envolva A e B.
- Ainda mais, poderíamos prescindir de vários conectivos e ficar apenas com a conjunção e negação (ou com a disjunção e negação, ou com a implicação e negação, ou com a adaga de Quine e negação) para expressar todas 16 funções. Basta fazer a tabela de verdade para verificar que:
(A→B) ≡ ¬(¬A∧B) ≡ (¬A∨B) ≡ ¬(¬A↓B)
A | B | ¬A | ¬B | A→B | A∧¬B | ¬(¬A∧B) | ¬A∨B |
V | V | F | F | V | F | V | V |
V | F | F | V | F | V | F | F |
F | V | V | F | V | F | V | V |
F | F | V | V | V | F | V | V |
- Da mesma forma:
- (A∧B) ≡ ¬(B→¬A) ≡ ¬(¬A∨¬B) ≡ (¬A↓¬B)
A | B | ¬A | ¬B | A∧B | B→¬A | ¬(B→¬A) | (¬A↓¬B) |
V | V | F | F | V | F | V | V |
V | F | F | V | F | V | F | F |
F | V | V | F | F | V | F | F |
F | F | V | V | F | V | F | F |
Só mais um exemplo:
(A∨B) ≡ ¬(¬A∧¬B) ≡ (¬A→B) ≡ ¬(A↓B)
A | B | ¬A | ¬B | A∨B | ¬A∧¬B | ¬(¬A∧¬B) | ¬A→B |
V | V | F | F | V | F | V | V |
V | F | F | V | V | F | V | V |
F | V | V | F | V | F | V | V |
F | F | V | V | F | V | F | F |
- Se continuarmos com o espírito inquisitivo que tem nos conduzido ao longo deste texto, devemos indagar agora: “Então por que não usar apenas a negação e algum conectivo?”. Porque nossas fórmulas e demonstrações seriam demasiadamente prolixas. Por exemplo, se fosse usada apenas a implicação e a negação, ao invés de simplesmente escrever A∧B, escrever-se-ia ¬(B→¬A), ao invés de A∨B, escrever-se-ia ¬A→B, e, ao invés de A↔B, ter-se-ia a fórmula ¬((A→B)→¬(B→A)). Foi o que Frege fez. Ele só usava a implicação e negação como operadores do CPC (ver: Notações Alternativas).
- A última questão que cabe agora é: “Qual o critério determinar quais conectivos serão usuais?”. Oras, aqueles que expressão funções de verdade mais interessante de serem usadas, mesmo que o interesse possa variar nas diversas situações em função de fatos que não sejam estritamente lógicos.
- Por exemplo, a função de verdade da coluna 1 estabelece uma relação entre duas fórmulas que é sempre verdadeira independentemente do valor de verdade destas. Ou seja, uma tautologia. Porém, as tautologias no geral expressam propriedades interessantes do CPC, tais como ¬(α∧¬α) (“é falso que α seja verdadeiro e falso”), α∨¬α (“entre α e ¬α, ao menos uma é verdadeira”) etc. Mas um conectivo que sozinho expresse uma relação tautológica entre quaisquer fórmulas seria intraduzível e não expressaria qualquer propriedade interessante do CPC.
- Outro exemplo, se adotarmos o critério de economia “um conectivo é dispensável se a função de verdade que ele expressa puder ser expressa por até dois operadores usados apenas uma vez cada”, a disjunção exclusiva é totalmente dispensável. Afinal, ela é equivalente a negação da bi-implicação, α∨β ≡ ¬(α↔β). Por outro lado, caso estejamos lidando com formalização de argumentos expressos em línguas naturais (como o Português), seria desejável manter o conectivo em questão. Afinal, a palavra “ou” freqüentemente expressa uma disjunção exclusiva.